segunda-feira, 11 de setembro de 2023

ELOGIO ÀS LOUCURAS

Diana e Pedro saem há quase dez anos. Sim, eu disse dez. Sim, você leu dez. E durante todos esses anos, desde a primeira vez que se viram, desde o primeiro churrasco, até todas as saídas para a praia, piscina, sauna, barzinhos, cinemas, sempre foram apaixonados. A Diana e o Pedro de repente ficaram mais assanhados, querendo novas aventuras, novos desafios, optando por fazer amor em outros cenários; ele usando o bom e velho jeans com camisa preta, ela, se vestindo de periguete fina, de classe alta, com um certo ar de devassidão e depravação, típicos e propícios aos novos ambientes que escolheram para circular. Lascivas noites de sexta-feira. Um belo dia, Diana, que frequentava o apartamento de Pedro e que via constantemente por lá, o seu criado Anselmo, um mulato favelado, que mal falava o português, balbuciava palavras despontuadas e se insinuava com trajes provocantes; enfim, Diana fez graça com o rapaz, soltou elogios a seus pés calejados e meio sujos, descalços a caminhar pela sala. Também ficou a reparar em sua camiseta e shorts curtos, que Anselmo costumava trajar dentro da casa de Pedro. Não passava de um criado, bem mal criado, um serviçal banal, despreparado e abusado, que se aproveitava da generosidade e da camaradagem de Pedro. Este, por vez, não gostou da gracinha nada engraçada que fora solta ao vento por sua Diana. Não poupou esforços para fazê-la compreender que nível social é uma coisa que não deve ser misturada; baixo nível é um perigo e pode matar qualquer relação. Equilíbrio e dosagem... Alerta! Sabedoria para separar aquilo que se come em casa e fora de casa. Diana fez que entendeu e não tocou mais no assunto, nem ousou reparar nos shorts curtos de Anselmo. Até que, passados alguns meses, o casal resolveu sair à noite e chamaram uma outra moça para fazer-lhes companhia até uma casa de dança. O tratado era antes parar num bar, comer um petisco e beber uns chopes. Chamaram um táxi e lá se foram Diana, Pedro e Anselmo ao encontro de Ingrid. Porém, antes do táxi chegar, Diana deslizou na imaturidade ou no tesão repentino e teceu elogios a Anselmo. Chamou o matuto de cheiroso e gostou do figurino "a la garoto de programa" que o rapaz colocou para se jogar na noitada. Pedro já não gostou. Sentiu a dor do ciúme em silêncio. A dor de ter sido desrespeitado dentro de seu lar, um doce e envolvente lar. Anselmo usava o perfume que Pedro havia dado de presente a ele por serviços "um tanto quanto" mal prestados. Mas Pedro era legal e sabia presentear. O relógio bateu nove horas e os três desceram para pegar o táxi. Dentro do veículo, Pedro perguntou se o seu cheiro também estava bom e Diana respondeu que sim, mas que estava muito fraco em relação ao de Anselmo. Pedro, por sua vez, se sentiu ofendido pela companheira Diana não ter tido a sensibilidade de elogiar igualmente o seu perfume. Anselmo então, percebendo o constrangimento que fora ali criado e causado por ele mesmo, resolveu soltar uma de suas pérolas dizendo que na festa de aniversário de seu patrão, o Pedro, ele poderia pegar emprestado dele o tal perfume. Revelou-se um enorme climão. Mas, seguiram a rota até o bar onde estaria Ingrid. Lá chegando, Ingrid os recebeu numa mesa na parte interior da casa, pois o local parecia ser mais aconchegante e menos barulhento do que do lado de fora. Diana ficou estimulando e torcendo para que Anselmo e Ingrid se entendessem como casal. A ideia era que do bar todos se encaminhassem para a casa de dança, mas que se misturassem numa grande nuvem de corpos, entrelaçados e enroscados, tanto na pista de dança quanto pelos corredores da tal casa. Não foi o que ocorreu. Anselmo quis exclusividade com Ingrid e ficou irritado quando Pedro se esfregou em Ingrid a pedidos de Diana, a caçadora. Pois bem, Pedro e Diana se afastaram do novo casal de pombinhos, Anselmo e Ingrid. Na bancada do bar, Diana revelou a Pedro que se ele poderia se insinuar e se esfregar em qualquer mulher ali, que ela também deveria ter o mesmo direito, a começar por Anselmo, de preferência passando a mão em seus glúteos. Pedro, por sua vez, ficou furioso, afinal de contas, Anselmo era o seu criado e pagava um bom dinheiro para ele o acompanhar e o servir, mas nunca para dividir a cama com a sua namorada. Diana ameaçou terminar e Pedro deu um ataque, correu para o banheiro para se restabelecer emocionalmente. Quando saiu do toalete, Pedro avistou na pista de dança Diana e Ingrid juntas. Ambas pareciam estar aguardando a sua chegada. Mas Pedro, num ato de ira, berrou com Ingrid que Anselmo não era seu amigo e sim, seu empregado e que pior, a sua namorada Diana, estava querendo dar uns pegas no Anselmo. Dali pra frente foi só vexame. Pedro saiu de perto das duas e foi dançar sozinho; subiu e tropeçou num tablado para depois cair com as pernas esticadas pra cima. Diana e um segurança da casa de dança puxaram ele do tablado. Houve uma enorme confusão e outros homens tentaram conversar com Pedro para entender o que estava acontecendo, enquanto Diana caminhava e o deixava para trás. Eis que Anselmo aparece do nada para falar com Pedro e Pedro enxota Anselmo dali gritando: - Cai fora! Não se viu mais Anselmo. Muito menos Ingrid. Diana e Pedro, minutos depois voltaram a se entender. Passaram o restante da noite se amando e se entrelaçando com outras pessoas da casa. Saíram de lá somente ao amanhecer. Dormiram juntos e terminaram juntos. Só não podemos falar o mesmo sobre Anselmo, o insolente e sobre Ingrid, a inocente. Um novo dia começou e por causa de infelizes elogios, o cenário inteiro mudou e Pedro dispensou os desserviços de Anselmo. Este último, voltou a ser o que nunca deixara de ser: insignificante. E que, de agora em diante, ao elogiar qualquer pessoa, sejemos mais cautelosos. Um elogio mal direcionado pode ferir sentimentos. E um empregado aproveitador pode tirar a paz de seu patrão, mas nunca a razão.